Laboratório de almas desviadas : representações dissidentes na literatura de Paulo Barreto (1899-1900).

Abstract

Este trabalho tem como objetivo examinar a representação do homossexual masculino nas duas primeiras narrativas ficcionais do dândi Paulo Barreto (1881–1921): os contos Impotência (1899) e Ódio (Páginas de um Diário) (1900). A presente investigação, que adota uma lente desfocada para ir além da historiografia literária tradicional, analisa como a homossexualidade masculina é representada nesses textos. Contextualizados na Belle Époque carioca, tempos de intensa transformação sociocultural, os contos são interpretados como preâmbulo de um “laboratório de almas” do escritor, isto é, Barreto buscou coletar, experimentar, triar e textualizar as diferentes manifestações de sujeitos que emergiam na virada do século. A análise demonstra que, em vez de apenas reproduzir discursos cientificistas de patologização em seus textos, Paulo Barreto subverte as normas ao conferir visibilidade e certa naturalidade a essas experiências e manifestações do comportamento homoafetivo. Para sustentar esse percurso analítico, o trabalho dialoga com a história social da homossexualidade no Brasil, que foi fundamental para compreender o contexto discursivo e cultural que permeia a obra de Paulo Barreto. A abordagem também se apoia nas micro-histórias, ao centrar-se nas minúcias da construção dos personagens, explorando suas diferentes histórias em escalas pormenorizadas. Ainda que marginalizados, esses sujeitos são apresentados como parte integrante da escrita da história literária brasileira, bem como da modernidade urbana; por esse motivo, o escritor pode ser considerado um mediador cultural, tensionando as fronteiras entre norma e desvio. Sua estratégia, nos contos selecionados, focada em subjetividades dissidentes, propôs uma narrativa que contribuiu para ampliar o campo da representatividade LGBTQIA+ na literatura brasileira do período.