Entre notas e silêncios : afetos e resistência em Apesar de Você de Chico Buarque durante a ditadura civil-militar.

Abstract

O trabalho analisa a canção Apesar de Você, de Chico Buarque, como expressão de resistência simbólica e afetiva durante a ditadura civil-militar brasileira. Ao explorar a ambiguidade lírica e o uso de afetos como esperança, melancolia, saudade e amor, o estudo investiga como a música opera como denúncia política e como espaço de elaboração coletiva do trauma causado pela repressão. O texto apresenta o contexto histórico da ditadura, destacando o papel da censura institucional e o impacto do AI-5 na produção cultural. A MPB é compreendida como território de resistência, e Chico Buarque, como figura importante dessa resistência estética, transforma sentimentos íntimos em estratégias eficazes de crítica social. O trabalho discute como a canção, ao ser aprovada inicialmente pela censura por parecer tratar-se de uma briga amorosa, revelou-se uma crítica velada ao regime, sendo posteriormente proibida. Mesmo censurada, a música circulou clandestinamente e se consolidou como símbolo afetivo da contestação popular. A pesquisa fundamenta-se em autores como Walter Benjamin, Marcos Napolitano, Miriam Hermeto, Eduardo Lourenço, José Miguel Wisnik, entre outros, para refletir sobre as relações entre arte, política, memória e subjetividade. A análise da obra de Chico Buarque demonstra que os afetos mobilizados em suas canções não apenas escapam à vigilância institucional, mas também reconfiguram a experiência histórica. O estudo argumenta que a arte, ao mobilizar emoções, cria brechas no presente opressor e projeta um futuro possível, transformando a esperança em ferramenta de ação. A canção Apesar de Você é entendida como documento histórico, ritual coletivo e promessa utópica, revelando que a resistência não se dá apenas por meio de discursos explícitos, mas também pela performance íntima que convoca o coletivo. O trabalho conclui que, mesmo sob censura, a canção popular brasileira foi capaz de articular crítica, pertencimento e organização simbólica, tornando-se arena política e meio de sobrevivência cultural. A obra de Chico Buarque, portanto, é analisada como testemunho de uma época e gesto de reorganização afetiva frente à violência institucional, reafirmando que a arte, em tempos de repressão, não apenas denuncia, mas também constrói laços, memória e projetos de liberdade.